Está ansioso? Com medo do que o futuro nos reserva em um mundo pós-pandemia? Confira apanhado histórico redigido pelo COO da Gummy, Yuri Vellinho, em artigo publicado originalmente no LinkedIn.

Isolado em casa, acabo de assistir Angela Merkel – talvez a mais respeitada dentre as lideranças mundiais – afirmando que a pandemia de COVID-19 é o maior desafio enfrentado por seu país desde a II Guerra Mundial.

Palavras muito duras e que aumentaram minhas preocupações. Afinal, é absolutamente assustador e inédito que um líder alemão relacione o período 1939-45 com qualquer evento.

Pois bem. Ao invés de remoer esta inquietação, decidi pesquisar sobre o impacto da IIGM e de pandemias do passado na psique coletiva, e sobre como estamos reagindo ao estresse e combatendo o Coronavírus para compreender melhor o discurso da chanceler.

Ah, e foi uma ótima decisão!

Colocar as coisas em perspectiva não apenas acalmou os nervos (ufa!), como fez eu perceber a importância de enfrentar objetivamente este desafio.

Compartilho com vocês o resultado desta pesquisa e espero ajudá-los a respirar um pouco mais aliviados também.

Meu ponto de partida foi justamente a comparação feita por Merkel, revisitando o “estado de nervos” durante a IIGM, traçando paralelos com outras pandemias e nosso desafio atual e, por fim, apresentando bons motivos para nos mantermos firmes e confiantes na capacidade da sociedade humana de superar este momento e darmos um salto a frente no mundo pós-pandemia.

O que a IIG tem a ver com o mundo pós-pandemia?

Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que não abordarei a História da Guerra aqui. Me preocupei em resgatar a reação das pessoas ao conflito e me atrevo a especular sobre possíveis consequências para o Inconsciente Coletivo que pudessem explicar a escolha de palavras de Merkel.

Você sabe, não sou psicólogo ou especialista em Carl Jung.

O suíço teorizou a respeito do comportamento humano com base no conjunto de fenômenos que ocorrem na mente – justamente, a psique.

Para ele, sentimentos, pensamentos e percepções que levam à ação são manifestações da tal psique que intermediam o relacionamento das pessoas com o mundo.

Jung ensinou ainda que a nossa personalidade, o jeito como expressamos estes sentimentos, pensamentos e percepções [me permito a repetição para ser o mais claro possível] são resultado da interação entre os aspectos conscientes e inconscientes da natureza humana.

Este intrincado arranjo de nossas mentes é o Norte de nossa caminhada pelo mundo: no Consciente racionalizamos sentimentos e ideias reprimidas no Inconsciente, o qual armazena – como em um HD – as memórias boas e ruins da experiência humana, sensações intangíveis e universais de amor, ódio, medo, perigo e dor. 

Grandes conflitos ou tragédias de alcance global impactam nossa psique na medida em que impõem situações de estresse, as quais exigem respostas conscientes e deixam marcas indeléveis no inconsciente.

A Segunda Guerra Mundial foi o maior conflito da história humana. Estimativas apontam que aproximadamente 45 milhões de pessoas perderam a vida. Dois terços dos judeus que viviam na Europa foram assassinados pela “Solução Final” Nazista e quase todos os países se envolveram, sendo que 62 ou foram palco de ações, ou enviaram tropas para a linha de frente.

  • “Meu filho será enviado para o front no Leste?”
  • “Meus parentes que viviam na Polônia foram enviados para um Campo de Concentração?”
  • “Será verdade que Hitler está dizimando os povos eslavos?”
  • “Como crer em Deus, nos ensinamentos da Igreja, ser alemão e apoiar um regime suspeito de extermínio humano”? 
  • “Uma bomba incendiará e cairá no meu prédio enquanto durmo?”

Antes mesmo desta crise, iniciei a leitura do romance As Benevolentes, do francês Jonathan Littell. O livro reconstitui os horrores humanos, o sofrimento e o desafio imposto à humanidade pela loucura Nazista. No trecho abaixo, o autor descreve, com riqueza de detalhes, uma madrugada de 1943, em Berlim:

Era 23 de agosto, uma segunda-feira, me lembro bem, tarde da noite: eu estava deitado no meu quarto, provavelmente ainda não dormia, quando as sirenes dispararam. Mas minha senhoria já fazia minha porta tremar à base de socos. Gritava tão alto que mal dava para ouvir as sirenes. “Doktor Aue! Levante-se. Os ingleses! Socorro!”

Enfiei uma calça e destranquei a porta: “Muito bem, Frau Gutknecht. É a RAF. Que quer que eu faça?”. Suas bochechas caídas tremiam, ela empalidecia sob os olhos e se benzia convulsivamente. Ouviam-se descargas das baterias antiaéreas, sobretudo na direção Sul. O porão do prédio fora adaptado como abrigo: não resistiria a um ataque certeiro, mas era melhor que nada. 

Eu deslizava por entre as malas e as pernas e me instalei num canto, o mais distante possível de Frau Gutknecht, que partilhava de seus terrores com algumas vizinhas. Crianças choravam de angústia, outras corriam por entre as pessoas vestidas, algumas de terno, outras ainda de roupão. Apenas duas velas iluminavam o porão, pequenas chamas vacilantes, bruxuleantes, que registravam as detonações próximas como sismógrafos. O alerta durou várias horas, infelizmente era proibido fumar nestes abrigos. Devo ter cochilado, acho que nenhuma bomba atingiu nosso bairro. Quando terminou, subi para deitar sem sequer ir a rua dar uma olhada. Era mais do mesmo.

Tudo isso é inimaginável para nós.

Olhamos para o passado como se lêssemos as páginas de um romance. 

No entanto, são fatos experienciados por nossos ancestrais.

São situações que se tornaram rotina para grande parte da sociedade humana naqueles tempos. 

Não é preciso um canudo em Psicologia para compreender que a tragédia deixou cicatrizes profundas no Inconsciente Coletivo (por exemplo, o medo, a aversão ao conflito armado). E, também, impacta decisões Conscientes até hoje (o voto, o suporte econômico da Alemanha aos países mais pobres do bloco europeu, o pacifismo japonês, a defesa do Estado de Israel etc).

Não foi por acaso que Angela Merkel mirou neste período de inflexão e nos sentimentos acionados pela memória do conflito para alertar sobre o tamanho do desafio imposto pelo novo Coronavírus.

Ela sabe que haverá consequências enormes na forma como as pessoas encaram o mundo pós-pandemia e em como ele se organiza. Instituições podem ruir, pactos sociais serão ameaçados, empresas fecharão as portas e falsos profetas vão aparecer trombeteando o fim dos tempos… A função dela, como líder mundial, é impedir que tudo isto ocorra.

Não se trata de promover o pânico, mas de evitá-lo. 

Prevenir para que os avanços civilizatórios não se percam.

Angela Merkel – ao contrário de líderes pouco esclarecidos ou dotados do conhecimento necessário para construir e antecipar cenários e que, justamente por isso, não podem ser um farol para seus povos – compara o momento atual ao conflito mais devastador da História não porque acredita que de fato o será, mas porque é seu dever evitar a todo custo que seu país caminhe em direção ao abismo.

[ Amigo leitor, espero que você tenha entendido a indireta! ]

Fantástica, Mommy Merkel!

Mas calma lá…

É fato que os riscos existem e são grandes. Porém, para evitar a tragédia, precisamos seguir uma única recomendação: ficar em casa!

Simples, não?

Ninguém está falando em saques.

Ninguém testemunha suicídios coletivos.

As pessoas não lotam templos atrás de indulgências e cura milagrosa.

A receita é objetiva.

Isolamento social para que os serviços de saúde consigam absorver os pacientes mais graves, enquanto uma vacina não é desenvolvida pelos cientistas que se coordenam ao redor do globo numa corrida contra o tempo.

Sem pânico, colaboramos com os Estados e a ordem internacional no presente para garantir um mundo pós-pandemia melhor para todos.

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Eu poderia ficar por aqui, mas me dei conta de que precisava de mais insumos para lidar com os imprudentes ou pessimistas. 

Por isso, segui minha pesquisa.

Como ouvi bastante que “não houve na História crise parecida com esta”, fiquei intrigado e mergulhei nas maiores desgraças de saúde do passado.

As doenças infecto-contagiosas sempre ameaçaram a humanidade e a atual pandemia do Coronavírus é um terrível lembrete dessa possibilidade. Siga comigo!

A Peste Negra

A Peste Negra matou cerca de 200 milhões de pessoas, metade da população europeia, entre 1347 a 1351.

Assim como o Coronavírus, a bactéria Yersina pestis, causadora da Peste, teve origem na China ou na Ásia Central. Chegou à Europa alojada nos intestinos das pulgas dos ratos nos porões de navios que navegavam daquelas regiões, abarrotados de seda e especiarias.

No começo, a doença foi transmitida pela picada das pulgas. Mas conforme avançava, a Peste começou a se espalhar pelo ar, por espirros e gotículas. 

As cidades medievais eram um absoluto asco,. Imagine você: as pessoas faziam as necessidades básicas em recipientes de madeira que eram guardados embaixo de suas camas – a pequena parcela que tinha uma.

mundo pós-pandemia

Os menos afortunados tinham de “aliviar” em qualquer beco. Era incomum lavar as mãos ou tomar banho. As roupas eram lavadas com urina e soda cáustica. Não havia saneamento básico, em geral. A água na cidade era contaminada por coliformes fecais.

Dadas as condições de higiene, parece fácil entender, hoje, como a pandemia foi tão devastadora. 

Sem saber o que causava a doença cujos sintomas incluíam febre altíssima, vômito, tosse com sangue e até convulsões, os medievos buscaram explicações no alinhamento dos planetas, nos livros sagrados e, é claro, culpavam povos estrangeiros – notadamente os judeus, assassinados aos milhares, tidos como os “culpados pela Peste”.

mundo pós-pandemia

[ Qualquer semelhança com respostas dadas por certas autoridades não é mera coincidência: a ignorância é vizinha da barbárie! ]

A busca pela cura? Nos céus, comprando indulgências.

Foi só por tentativa e erro que os europeus conseguiram impedir que a doença se espalhasse, impondo… tchã-ram: quarentenas!

A origem da palavra, inclusive, remete à nossa nova melhor amiga. Do idioma vêneto, diz respeito ao período de 40 dias em que todos os barcos deveriam ser isolados antes que passageiros e tripulantes pudessem desembarcar durante a epidemia da Peste Negra nos séculos 14 e 15; sendo inspirado no trentino, período de trinta dias imposto pela primeira vez em 1377 em Ragusa, dominada por Veneza.

Ainda assim, as marcas da maior pandemia da História fizeram com que a Europa levasse mais de 200 anos para alcançar a mesma população de antes da Peste!

Gripe Espanhola

A Peste não foi a última das grandes pandemias que assolaram a espécie humana.

Entre 1918 e 1920, a Gripe Espanhola, uma variação do vírus H1N1, contaminou 27% de população e fez entre 17 e 50 milhões de vítimas.

Parecia filme de terror.

Cadáveres atirados às portas das casas, urubus banqueteando-se.

As pessoas que se aventuravam nas ruas, caminhavam ligeiro, como que fugindo da misteriosa doença. Carroças surgiam de tempos em tempos para, sem cuidado ou deferência, recolher os corpos, que seguiam em pilhas para o cemitério.

O vírus chegou ao Brasil a bordo do navio Demerara, procedente da Europa. Em setembro de 1918, sem saber que trazia o vírus, o transatlântico desembarcou passageiros infectados no Recife, em Salvador e no Rio de Janeiro.

No mês seguinte, o país inteiro já está submerso naquela que, até hoje, é a mais devastadora epidemia da sua história.

Nem mesmo o presidente da República é poupado. Rodrigues Alves, eleito em março de 1918 para o segundo mandato, cai de cama “espanholado” e não toma posse. 

Para combater os sintomas – febre muito alta, dores fortes por todo o corpo, grave dificuldade respiratória e, por fim, pulmões cheios de água -, as pessoas aborrotavam os hospitais de todo o Brasil. As escolas mandavam os alunos para casa. Os bondes trafegavam quase vazios.

Das alfaiatarias às quitandas, das lojas de tecido às barbearias, o comércio todo fechou.

Exceto as farmácias, onde os fregueses disputam a tapa pílulas e tônicos que prometiam curar as vítimas da doença mortal.

mundo pós-pandemia

Quanto à cura, os jornais anunciavam de tudo.

De água tônica, a mesma com a qual você prepara um bom drink, a balas à base de ervas; de purgantes a fórmulas com canela. A procura era tão grande que as farmácias se aproveitam da situação e multiplicam os preços. Nenhuma cura à vista.

Sem ter tomado medidas de contenção e sem condições materiais de combater a Gripe, a humanidade apenas suportou o seu efeito devastador, como revela gráfico do EL PAÍS:

gripe espanhola

Não havia mais a quem contaminar. No Rio, para exorcizar o drama, foliões malharam o vírus no Carnaval de 1919. Esqueceram rapidamente, a vida continuou.

Mundo pós-pandemia: o triunfo da esperança

Não vou me prolongar falando sobre COVID-19. Todos estão acompanhando a evolução dos fatos numa ampla cobertura midiática.

Um resumo para quem anda de olho apenas no grupo do ZAP da família: a coisa está feia, mas há sinais claros de que subjugaremos a doença!

casos COVID-19

Ao invés de falar sobre a situação atual, pretendo concluir este artigo apontando para um mundo pós-pandemia de esperança. Sim, o desafio é homérico, pois conter uma doença infectocontagiosa nunca foi tão difícil. As distâncias se encurtaram muito. Jamais tantas pessoas circularam por tantos lugares, potencializado riscos de contaminação por onde passam. 

Porém, ao mesmo tempo, em nenhuma outra ocasião estivemos tão preparados quanto agora. Nunca enfrentamos outra pandemia de modo tão coordenado quanto combatemos a atual.

Hoje, apesar das incertezas e do medo, os governos atuam para frear o avanço do COVID-19, absorver os doentes mais graves, mitigar as consequências econômicas, protegendo os mais vulneráveis e as empresas da quebradeira. 

Enquanto isso, cientistas coordenam esforços ao redor do globo para encontrar uma vacina, que deve ficar pronta em aproximadamente 18 meses.

Não recorremos a um milagre, mas à ciência!

É a primeira vez que batalhamos contra o avanço de uma doença com acesso tão facilitado à informação. Apesar da Gripe Espanhola ter afligido o continente europeu, ela chegou ao Brasil sem que ninguém tivesse sido alertado.

A adoção massiva de tecnologias de informação e comunicação muda o cenário da quarentena. Se há um século atrás, significaria não ver, falar ou trabalhar com outras pessoas; hoje, o problema está em garantir que a Internet suporte o novo padrão de consumo. Mais pessoas conectadas por mais tempo.

O trabalho home-office é uma realidade para aquelas empresas cujo modelo de negócios o permite. 

O varejo mira o online para driblar o fechamento das lojas físicas. Entre o final de fevereiro e início de março, as vendas no e-commerce cresceram 100% em relação ao mesmo período do ano passado.

Apesar do corre corre para supermercados, num primeiro momento, ninguém teme pelo desabastecimento. De olho no que aconteceu lá fora, as redes varejistas e os consumidores agiram para racionalizar oferta e demanda. Os primeiros organizaram seus estoques para atender a demanda por, pelo menos, 2 meses. Os segundos entenderam que não precisavam encher os carrinhos e estocar comida e papel higiênico.

Além disso, a hiperconectividade permite iniciativas muito inspiradoras que podem servir para uma ressignificação do papel das pessoas nas comunidades no mundo pós-pandemia. Na Itália, país ocidental mais atingido pela pandemia, multiplicam-se vídeos de vizinhos ajudando um ao outro a superar o confinamento:

https://www.youtube.com/watch?v=JCiCujQLGvY

E não é só isso! Além do desenvolvimento tecnológico permitir que a gente drible a solidão e nos mantenhamos produtivos durante a recomendação de isolamento social, estamos muito melhor organizados como sociedade para combater os casos mais graves e desenvolver remédios e vacinas para eliminar o vírus.

No passado, os Estados não contavam com nada parecido com os sistemas de saúde públicos ou privados dos quais dispomos hoje. Nem com tantos médicos munidos do conhecimento científico acumulado ao longo de, pelo menos, 100 anos trabalhando para cuidar dos doentes.

Como vimos, não se falava em reduzir a curva de contágio para tratar adequadamente as pessoas. Nossos antepassados torciam para não pegar e rezavam por um milagre.

Equipes científicas ao redor do planeta correm contra o tempo para desenvolver uma vacina. Inclusive, neste momento, já há opções em teste nos EUA, em Israel, na Alemanha, em Cuba e também no Brasil.

A humanidade está trabalhando. A esperança triunfará e abrirá caminho para um mundo pós-pandemia ainda melhor. Não tenho dúvidas.

Enquanto isso, sabemos o que precisamos fazer:

  1. Ficar em casa para evitar que o vírus saia de controle. Não podemos perder a batalha e repetir um passado remoto.  
  2. Também é nossa responsabilidade não perder a cabeça. Devemos confiar em um um mundo pós-pandemia muito melhor para evitar algo parecido com o caos e a degradação da vida humana que a Alemanha experienciou durante a Segunda Guerra. 

 

Estou fechado com estes pontos. E você?

Daqui em diante, agora que enxergamos a crise atual em perspectiva, me parece que você e eu estamos prontos.

Preparados para agir positivamente na nossa comunidade, levantando a moral de nossos times, colegas, amigos e parceiros de negócios. Espalhando a confiança no avanço da capacidade e do conhecimento humanos que permitirão vencer o Coronoavírus e qualquer outra doença.

Afinal, são parte da história de superação do homem, vão e vem.

Devemos cerrar fileiras para não deixar que elas, ou o pânico que podem causar, acabem com vidas ou com o melhor da experiência humana no mundo pós-pandemia.

Espero que a leitura tenha sido tranquilizadora, esclarecedora e que possamos tomar um café muito em breve e comemorar mais uma conquista da humanidade.